Madeira e vinho, um casamento de interesses
Desde que a humanidade desenvolveu o vinho, precisa de vasilhames para armazená-lo. Os primeiros foram os kvevris – ânforas ovais sem alça – de barro na Geórgia datados do sexto milênio a.C., comportando 20 a 10.000 litros. Eram usados para fermentação, armazenamento e envelhecimento do vinho, e seu uso ainda é tão disseminado na região do Cáucaso (aliás, a primeira a desenvolver a vitivinicultura) que em 2013 a UNESCO incluiu o kvevri e a produção de vinho da região na lista das heranças culturais intangíveis.
Em tempos mais recentes, Heródoto menciona vasilhames de lenho de palmeira que transportavam os vinhos da Armênia – também no Cáucaso – até a Babilônia. Mas foram provavelmente os celtas que desenvolveram o barril de madeira como é conhecido hoje em dia. Há indícios de que já produziam barris com a forma atual por volta de 350 a.C., perfeitamente estanques. Posteriormente, o barril foi adotado pelos romanos, que o usavam para levar o vinho das tropas de legionários em suas campanhas militares.
O carvalho, pelas propriedades de seu lenho e por ser uma árvore abundante na Europa, era a madeira preferida já nessa época. Contudo, foram feitos barris com a madeira de várias outras árvores até se chegar no carvalho, como cerejeira, acácia, mogno, pinheiro, nogueira e castanheiro, por exemplo.
Com o tempo, foi-se percebendo que os barris de carvalho aportavam qualidades interessantes e agradáveis ao vinho: a cor do vinho se realça, a microoxigenação facilitada pelos poros da madeira confere estrutura e ajuda na evolução do vinho, além de causar leve polimerização nos taninos, amaciando-os. O vinho evapora à razão de 2-3% ao ano e com isso se concentra.
Alguns componentes aromáticos que o carvalho proporciona ao vinho são o furfural (frutas secas, amêndoas tostadas, caramelo), guaiacol (notas de torrefação, especiarias e defumado), lactonas (mais presentes no carvalho americano, com aromas de coco, endro, terra), vanilina (baunilha), eugenol (cravo da Índia) e outros.
Para poder ser utilizado, o carvalho deve ter no mínimo 60 anos, embora muitos tanoeiros busquem árvores com 150-200 anos. Na França, o processo de corte é controlado pela ONF (sigla de Office National des Forêts ou Secretaria Nacional de Florestas), que selecionam as árvores que podem ser usadas.
A madeira é cortada em aduelas (nome dado às ripas de carvalho usadas nas tanoarias) e deixada secando ao relento ou em estufas. No primeiro caso, ficam de 18 a 60 meses expostas a todo tipo de intempérie para que amadureça e não se altere com a variação de temperatura quando o barril estiver pronto, o que causaria a perda do vinho. Com esse tipo de amadurecimento, reduzem-se os níveis de taninos e de fenóis, aumentando os componentes aromáticos. Na secagem em estufa, cuja única vantagem é a aceleração do processo, os taninos ficam mais agressivos.
Quais são os fatores que o produtor leva em consideração antes de colocar um vinho em barris para envelhecimento?
Tipo de vinho. Vinhos de variedades aromáticas, como Riesling, dificilmente passam por madeira, para que esta não se sobreponha aos aromas da uva. Variedades mais delicadas, como a Pinot Noir, devem ser trabalhadas com cuidado pelo mesmo motivo.
Grau de tosta. Na elaboração do barril, usa-se uma fonte de fogo para facilitar o envergamento das aduelas. O tempo de exposição do interior do barril ao fogo vai implicar no seu grau de tosta, e este altera os aromas aportados pela madeira: se leve (5 min), são notas de mel, creme de cacau, chocolate branco, resina; se média (10 min), amêndoa tostada, caramelo, tabaco, café; se intensa (15 min), pão torrado, fumo, folhas secas, grafite.
Tamanho do barril. Quanto menor o barril, maior o contato entre a madeira e o vinho, e mais intensos os efeitos da permanência da bebida. Há uma grande variedade de tamanhos de barris, mas dois se destacam: o da Borgonha (chamado pièce,com capacidade de 228 litros) e o de Bordeaux (que comporta 225 litros e são chamados barriques).
Origem da madeira. Há dois tipos básicos de carvalho: Quercus alba, que é o carvalho americano, e o Quercus sessil ou petrae, o carvalho francês. As diferenças entre eles são basicamente os aromas aportados (o carvalho americano tem notas que lembram coco, como dissemos antes) e a quantidade de taninos (maior no carvalho francês).
Mesmo dentro da França, há variações entre os tipos de carvalho das diferentes florestas: Nevers, Allier, Tronçais, Central, Vosges…o carvalho de Limousin, por exemplo, é de uma terceira variedade, Quercus robur ou pedunculado, mais poroso e usado principalmente em destilados de vinho. Além disso, há florestas de carvalho na Croácia (Eslavônia), Hungria, Eslovênia, Romênia e Rússia, que também são usadas para elaboração de barris.
Número de usos. O barril novo, ou de primeiro uso, vai aportar mais taninos e vanilina, proporcionando mais complexidade ao vinho. O número de reusos vai reduzir proporcionalmente a presença desses componentes, até o barril se tornar praticamente um vasilhame neutro. Pelo custo de um barril de boa procedência, geralmente os produtores reservam os barris novos para seus vinhos mais prestigiosos.
Chips de carvalho. Para a produção de vinhos de entrada, mais baratos, aos quais se deseja dar uma sensação de passagem por madeira, mas sem precisar deixá-los em barris, há a alternativa de mergulhar ripas ou chips (lascas) de carvalho no tanque. Embora polêmica, não é uma prática incomum, visto que normalmente os produtores não informam sobre seu uso no contra-rótulo.
Tem sido comum encontrar produtores que fazem a fermentação do vinho em barricas novas, conferindo taninos mais elegantes aos tintos e mais maciez aos brancos.
Por tudo isso se vê que o carvalho e o vinho têm um casamento antigo e provavelmente duradouro: dificilmente os enólogos encontrarão um substituto à altura para essa madeira, tão nobre e tão útil na produção de grandes vinhos.